quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Programa de reflorestamento no Espírito Santo vira referência e é destaque mundial

A devastação da mata ciliar prejudica o Rio Doce
Em época de crise hídrica, mudanças climáticas e tragédias ambientais, um projeto realizado no Espírito Santo traz esperança. É o Reflorestar, que incentiva produtores rurais a plantar árvores. O projeto, inclusive, ganhou destaque na conferência do clima, em Paris, na França.

A equipe da TV Vitória/Record sobrevoou a região Noroeste do Estado. O que se pode ver é um pasto seco, sem vida. Um cenário que lembra um deserto.

As árvores são tão poucas que é possível contar nos dedos. Isso quando elas ainda estão em pé. Situações comuns ao ver o pasto chegando até o Rio Doce, sem a mata ciliar.

O rio foi o que recebeu os rejeitos da mineradora Samarco, após o desastre de Mariana, em Minas Gerais. Sem a ajuda da mata ciliar, no entorno do Doce, a recuperação se torna ainda mais difícil.

As imagens são um alerta de que é preciso voltar atrás, recuperar o tempo em que as florestas cobriam montanhas, beiras de rios. Para isso, não é preciso que os agricultores desistam da renda e da produção. Com o Programa Reflorestar, do Instituto Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), produtores não só recebem todo o dinheiro e assistência técnica para plantar árvores na propriedade, como também são remunerados para isso.

Funciona assim: o primeiro passo é se cadastrar no programa, pelo site. Este é o local onde o produtor diz qual o tamanho e a área que tem interesse em cobrir com florestas.

O sistema online está disponível para agricultores
         O sistema online está disponível para agricultores

“Depois que ele se cadastrar, passa a fazer parte do nosso banco de dados, que é um sistema online. Cada um dos nossos técnicos tem acesso a isso, e também às empresas que atendem ao produtor rural. Nós, então, indicamos esse produtor rual, para que ele possa ser atendido”, diz o coordenador do Programa Reflorestar, Marcos Sossai.

O produtor é procurado por engenheiros florestais de uma empresa terceirizada, que passou por uma licitação, e faz um projeto. Depois de aprovado, o agricultor assina um contrato, e começa o plantio das mudas. No final do contrato, uma parte do recurso é destinada aos custos do plantio, e a outra, fica para o produtor. A ideia do programa é aumentar a cobertura florestal do Estado.

O número de projetos inscritos triplicou em um intervalo de três anos. “Reflorestar é bom para todo mundo. A gente vê que nessa seca falta água para o produtor rural e, se falta água para o produtor rural, também falta para nós. Então, o plantio é para todo mundo. O benefício é múltiplo”, completa Sossai.

Repercussão mundial

O Programa Reflorestar ganhou repercussão mundial na 21ª conferência do clima (COP 21), em Paris, na França.

O programa foi apresentado em dois painéis, durante a COP 21, que aconteceu em dezembro. Os coordenadores apresentaram os resultados colhidos e o desafio de reflorestar 80 mil hectares no Espírito Santo até 2020.

O plantio de florestas é visto como o principal aliado dos países para frear as mudanças climáticas e o aquecimento do planeta. O Espírito Santo é o Estado mais avançado do Brasil, na aplicação de programas de reflorestamento.
Mata nativa é preservada

Mudando histórias de vida

O Programa Reflorestar já mudou a vida de muitos agricultores capixabas. Como por exemplo, a história do produtor rural que viu quase toda produção de cacau morrer após ser tomada por uma doença. Hoje, com o incentivo de plantio de árvores, Francisco Barcellos Rangel enxerga uma nova chance de renda.

Na área rural de Linhares, no Norte do Espírito Santo, o proprietário rural, pode afirmar que vive em um oásis da natureza. A produção de cacau de Francisco vem da tradição familiar. São 60 hectares que herdou do pai.

Quando a equipe de reportagem da TV Vitória/Record chegou à plantação de cacau, a temperatura média da região caiu cerca de quatro graus. Tudo isso devido às árvores milenares do local.

Francisco produz a matéria prima do chocolate em 40 hectares. Como o cacau tem melhor produtividade na sombra, o costume é cultivá-lo na chamada “cabruca”, um plantio embaixo de árvores antigas e gigantescas. “Tem uma árvore que tem mais de 300 anos de idade. Toda a mata que está na região só existe por causa do cacau”, conta o proprietário Francisco Barcellos Rangel.
Produtor mostra resultados após o Reflorestar
São 40 hectares de cacau debaixo de 40 hectares de mata nativa preservada. A “vassoura de bruxa”, doença que veiocolocou em risco a área. Foi no Programa Reflorestar, Francis e dizimou toda a plantação, por pouco não co descobriu a luz que estava buscando.

“A ‘vassoura’ veio há três anos, em dois ela devastou toda a plantação. Isso aqui tinha 500 sacas de produtividade ao ano e hoje chegou a zero”, relata o agricultor.

O que era ameaça se tornou oportunidade. No Programa Reflorestar, o agricultor conseguiu recursos para plantar clones do cacau, que são mais resistentes à doença. Ao enxergar uma nova chance de renda, acabou diversificando a produção. Junto com o cacau, Francisco plantou banana, palmito e ainda pensa em investir em seringueiras e pimenta do reino.

“As árvores centenárias serão mantidas. Enquanto a gente puder segurar. E, se puder plantar mais um pouquinho, a gente planta também”, conclui o agricultor.

O consórcio árvores nativas e árvores produtivas, é chamado de agroflorestal. Essa é apenas uma das modalidades ofertadas pelo Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema).

“Ele consegue conciliar espécies florestais com espécies agronômicas. Então a gente tem espécies nativas como o cacau e a banana. Nós temos essa mistura de diferentes portes e por isso se chama agroflorestal”, diz o coordenador do Programa Reflorestar, Marcos Sossai.
Fazendas têm incentivos para produzirem mudas de espécies nativas

Berçário de espécies nativas

O Projeto Reflorestar ajuda também produtores que disponibilizam suas propriedades para reflorestamento e criação de mudas para venda. É o caso da produtora Jeanine Kucht, que há um ano resolveu transformar sua propriedade – a Fazenda Terra Nova, localizada em Alto Paraju, distrito de Domingos Martins – em uma área de mata nativa com um viveiro para criação de mudas.

“Eu tenho essa propriedade há 21 anos e durante dez andei pela região. Fiquei muito assustada com a degradação de todo tipo de recursos naturais. Daí surgiu a ideia de dar uma guinada em minha vida. Peguei o dinheiro do fundo de garantia e comecei o viveiro aqui na fazenda”, conta Jeanine.

A produtora contatou o Iema e foi inserida em uma das modalidades do Reflorestar. Além de recursos para investir nas mudas, o Instituto oferece aos inscritos no projeto um acompanhamento de engenheiros florestais terceirizados, que orientam desde a escolha das espécies ao crescimento das árvores, passando pela fase de plantio. Os técnicos do Iema também acompanham o desenvolvimento das matas para checar se o plantio está de acordo com o projeto inicial.

Além de reflorestar sua própria propriedade, Jeanine produz mudas para outras fazendas. Os funcionários da fazenda selecionam, de acordo com a indicação dos engenheiros, as sementes para a produção dos brotos para comercialização, que mantém a sustentabilidade econômica da área.

Mas o objetivo da produtora, uma apaixonada por árvores, vai muito além das cercas de sua fazenda. “Não é só plantar árvores. Eu quero proteger o planeta, quero que a fauna volte, que o clima melhore, que a água apareça novamente! Quero qualidade de vida”, finalizou Jeanine Kucht.
Plantas produtivas e árvores nativas convivem em harmonia na Fazenda Experimental

Reflorestamento sustentável

Em Viana, o Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper) desenvolveu uma fazenda modelo aonde foram implementadas todas as modalidades do projeto Reflorestar. Nos mais de 120 mil metros quadrados da propriedade, a floresta é soberana.

Em algumas áreas da Fazenda Experimental, as árvores nativas dividem espaço com espécies produtivas. Pés de açaí, de palmito pupunha, seringueira e até café convivem em harmonia com jequitibás e outras plantas nativas da região. “O produtor rural pode montar um arranjo que seja rentável e recuperar a natureza”, explica o supervisor da fazenda, Afonso Valentim.

Outras modalidades também presentes no espaço são as de cultivo puro e simples da mata e silve pastoril, que agrega floresta nativa e pastagem para a criação de animais. “É possível reflorestar envolvendo outros manejos florestais além da mata nativa e oferecendo ao agricultor uma nova fonte de venda”, afirmou o secretário estadual de Meio Ambiente, Rodrigo Júdice.

As árvores mais antigas garantem sombra para trabalhar e cobertura de folhas no solo, o que garante umidade para a terra mesmo em períodos de estiagem. Por isso, a meta do programa é reflorestar 80 mil hectares no Espírito Santo até 2020.


“A maior caixa d’água do mundo é a natureza. Recompor as matas ciliares e áreas como os topos dos morros é como recompor as nascentes; não é só importante para a biodiversidade, mas também para manter o ciclo hidrológico”, frisou o secretário. //folhavitoria