Em época de crise hídrica, mudanças climáticas e tragédias
ambientais, um projeto realizado no Espírito Santo traz esperança. É o
Reflorestar, que incentiva produtores rurais a plantar árvores. O projeto,
inclusive, ganhou destaque na conferência do clima, em Paris, na França.
A equipe da TV Vitória/Record sobrevoou a região Noroeste do
Estado. O que se pode ver é um pasto seco, sem vida. Um cenário que lembra um
deserto.
As árvores são tão poucas que é possível contar nos dedos.
Isso quando elas ainda estão em pé. Situações comuns ao ver o pasto chegando
até o Rio Doce, sem a mata ciliar.
O rio foi o que recebeu os rejeitos da mineradora Samarco,
após o desastre de Mariana, em Minas Gerais. Sem a ajuda da mata ciliar, no
entorno do Doce, a recuperação se torna ainda mais difícil.
As imagens são um alerta de que é preciso voltar atrás,
recuperar o tempo em que as florestas cobriam montanhas, beiras de rios. Para
isso, não é preciso que os agricultores desistam da renda e da produção. Com o
Programa Reflorestar, do Instituto Estadual do Meio Ambiente e Recursos
Hídricos (Iema), produtores não só recebem todo o dinheiro e assistência
técnica para plantar árvores na propriedade, como também são remunerados para
isso.
Funciona assim: o primeiro passo é se cadastrar no programa,
pelo site. Este é o local onde o produtor diz qual o tamanho e a área que tem
interesse em cobrir com florestas.
O sistema online está disponível para agricultores
“Depois que ele se cadastrar, passa a fazer parte do nosso
banco de dados, que é um sistema online. Cada um dos nossos técnicos tem acesso
a isso, e também às empresas que atendem ao produtor rural. Nós, então,
indicamos esse produtor rual, para que ele possa ser atendido”, diz o
coordenador do Programa Reflorestar, Marcos Sossai.
O produtor é procurado por engenheiros florestais de uma
empresa terceirizada, que passou por uma licitação, e faz um projeto. Depois de
aprovado, o agricultor assina um contrato, e começa o plantio das mudas. No
final do contrato, uma parte do recurso é destinada aos custos do plantio, e a
outra, fica para o produtor. A ideia do programa é aumentar a cobertura
florestal do Estado.
O número de projetos inscritos triplicou em um intervalo de
três anos. “Reflorestar é bom para todo mundo. A gente vê que nessa seca falta
água para o produtor rural e, se falta água para o produtor rural, também falta
para nós. Então, o plantio é para todo mundo. O benefício é múltiplo”, completa
Sossai.
Repercussão mundial
O Programa Reflorestar ganhou repercussão mundial na 21ª
conferência do clima (COP 21), em Paris, na França.
O programa foi apresentado em dois painéis, durante a COP 21,
que aconteceu em dezembro. Os coordenadores apresentaram os resultados colhidos
e o desafio de reflorestar 80 mil hectares no Espírito Santo até 2020.
O plantio de florestas é visto como o principal aliado dos
países para frear as mudanças climáticas e o aquecimento do planeta. O Espírito
Santo é o Estado mais avançado do Brasil, na aplicação de programas de
reflorestamento.
Mudando histórias de vida
O Programa Reflorestar já mudou a vida de muitos agricultores
capixabas. Como por exemplo, a história do produtor rural que viu quase toda
produção de cacau morrer após ser tomada por uma doença. Hoje, com o incentivo
de plantio de árvores, Francisco Barcellos Rangel enxerga uma nova chance de
renda.
Na área rural de Linhares, no Norte do Espírito Santo, o
proprietário rural, pode afirmar que vive em um oásis da natureza. A produção
de cacau de Francisco vem da tradição familiar. São 60 hectares que herdou do
pai.
Quando a equipe de reportagem da TV Vitória/Record chegou à
plantação de cacau, a temperatura média da região caiu cerca de quatro graus.
Tudo isso devido às árvores milenares do local.
Francisco produz a matéria prima do chocolate em 40 hectares.
Como o cacau tem melhor produtividade na sombra, o costume é cultivá-lo na
chamada “cabruca”, um plantio embaixo de árvores antigas e gigantescas. “Tem
uma árvore que tem mais de 300 anos de idade. Toda a mata que está na região só
existe por causa do cacau”, conta o proprietário Francisco Barcellos Rangel.
São 40 hectares de cacau debaixo de 40 hectares de mata
nativa preservada. A “vassoura de bruxa”, doença que veiocolocou em risco a
área. Foi no Programa Reflorestar, Francis e dizimou toda a plantação, por
pouco não co descobriu a luz que estava buscando.
“A ‘vassoura’ veio há três anos, em dois ela devastou toda a
plantação. Isso aqui tinha 500 sacas de produtividade ao ano e hoje chegou a
zero”, relata o agricultor.
O que era ameaça se tornou oportunidade. No Programa
Reflorestar, o agricultor conseguiu recursos para plantar clones do cacau, que
são mais resistentes à doença. Ao enxergar uma nova chance de renda, acabou
diversificando a produção. Junto com o cacau, Francisco plantou banana, palmito
e ainda pensa em investir em seringueiras e pimenta do reino.
“As árvores centenárias serão mantidas. Enquanto a gente
puder segurar. E, se puder plantar mais um pouquinho, a gente planta também”,
conclui o agricultor.
O consórcio árvores nativas e árvores produtivas, é chamado
de agroflorestal. Essa é apenas uma das modalidades ofertadas pelo Instituto
Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema).
“Ele consegue conciliar espécies florestais com espécies
agronômicas. Então a gente tem espécies nativas como o cacau e a banana. Nós
temos essa mistura de diferentes portes e por isso se chama agroflorestal”, diz
o coordenador do Programa Reflorestar, Marcos Sossai.
Berçário de espécies nativas
O Projeto Reflorestar ajuda também produtores que
disponibilizam suas propriedades para reflorestamento e criação de mudas para
venda. É o caso da produtora Jeanine Kucht, que há um ano resolveu transformar
sua propriedade – a Fazenda Terra Nova, localizada em Alto Paraju, distrito de
Domingos Martins – em uma área de mata nativa com um viveiro para criação de
mudas.
“Eu tenho essa propriedade há 21 anos e durante dez andei
pela região. Fiquei muito assustada com a degradação de todo tipo de recursos
naturais. Daí surgiu a ideia de dar uma guinada em minha vida. Peguei o
dinheiro do fundo de garantia e comecei o viveiro aqui na fazenda”, conta
Jeanine.
A produtora contatou o Iema e foi inserida em uma das
modalidades do Reflorestar. Além de recursos para investir nas mudas, o
Instituto oferece aos inscritos no projeto um acompanhamento de engenheiros
florestais terceirizados, que orientam desde a escolha das espécies ao
crescimento das árvores, passando pela fase de plantio. Os técnicos do Iema
também acompanham o desenvolvimento das matas para checar se o plantio está de
acordo com o projeto inicial.
Além de reflorestar sua própria propriedade, Jeanine produz
mudas para outras fazendas. Os funcionários da fazenda selecionam, de acordo
com a indicação dos engenheiros, as sementes para a produção dos brotos para
comercialização, que mantém a sustentabilidade econômica da área.
Mas o objetivo da produtora, uma apaixonada por árvores, vai
muito além das cercas de sua fazenda. “Não é só plantar árvores. Eu quero
proteger o planeta, quero que a fauna volte, que o clima melhore, que a água
apareça novamente! Quero qualidade de vida”, finalizou Jeanine Kucht.
Reflorestamento sustentável
Em Viana, o Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência
Técnica e Extensão Rural (Incaper) desenvolveu uma fazenda modelo aonde foram
implementadas todas as modalidades do projeto Reflorestar. Nos mais de 120 mil
metros quadrados da propriedade, a floresta é soberana.
Em algumas áreas da Fazenda Experimental, as árvores nativas
dividem espaço com espécies produtivas. Pés de açaí, de palmito pupunha, seringueira
e até café convivem em harmonia com jequitibás e outras plantas nativas da
região. “O produtor rural pode montar um arranjo que seja rentável e recuperar
a natureza”, explica o supervisor da fazenda, Afonso Valentim.
Outras modalidades também presentes no espaço são as de
cultivo puro e simples da mata e silve pastoril, que agrega floresta nativa e
pastagem para a criação de animais. “É possível reflorestar envolvendo outros
manejos florestais além da mata nativa e oferecendo ao agricultor uma nova
fonte de venda”, afirmou o secretário estadual de Meio Ambiente, Rodrigo
Júdice.
As árvores mais antigas garantem sombra para trabalhar e
cobertura de folhas no solo, o que garante umidade para a terra mesmo em
períodos de estiagem. Por isso, a meta do programa é reflorestar 80 mil
hectares no Espírito Santo até 2020.
“A maior caixa d’água do mundo é a natureza. Recompor as
matas ciliares e áreas como os topos dos morros é como recompor as nascentes;
não é só importante para a biodiversidade, mas também para manter o ciclo
hidrológico”, frisou o secretário. // folhavitoria