"Vitor
Belfort, né?" A bispa Sonia Hernandes, 54, é fã de UFC. "Minotauro,
Pezão, Anderson Silva... Tudo de bom!", lista mais lutadores que admira
--olhos amendoados brilhando; o colar com pingente de pomba (símbolo do
Espírito Santo) cravejado de brilhantes, idem. A Renascer em Cristo, igreja que
lidera junto com o marido, criou até o URF (Ultimate Reborn Fight, ou "a
melhor luta do renascido", na qual promove a modalidade entre fiéis). De
briga, afinal, ela entende.
Os últimos
anos foram uma sucessão de pequenos nocautes: em 2012, foi julgada (e absolvida)
pelo Supremo Tribunal Federal por lavagem de dinheiro; em 2011, perdeu seu
seguidor mais importante, o jogador Kaká (de quem diz continuar amiga); viu seu
primogênito, o bispo Tid, 34, nunca mais sair do hospital após uma malsucedida
cirurgia de redução de estômago, em 2009; e no mesmo ano enfrentou o
desabamento do teto de uma Renascer na Vila Mariana (com mortos e feridos).
Acha ainda que, por ser evangélica, apanhou muito --fala dos "anos da
inquisição no Brasil, quando a gente saía na rua e quase era apedrejado".
O revide
veio na forma do império evangélico que montou ao lado do apóstolo Estevam
Hernandes, com quem casou aos 19 anos, de vestido de cauda longa feito por uma
tia.
A Renascer
nasceu no salão alugado de uma pizzaria, em 1986. Mas não acabou em pizza (nem
nas de queijo, prediletas de sua bispa): são, hoje, 810 igrejas no Brasil --242
em São Paulo. Veio do casal Sonia e Estevam a ideia de botar o bloco gospel na
rua, com a primeira Marcha para Jesus, em 1993.
Vinte anos
depois, espera "milhões" na 21ª edição do evento (foram 335 mil
pessoas em 2012, segundo o Datafolha). Será no sábado, na zona norte, com trios
elétricos e atrações musicais como Livres Para Adorar e Magno Malta (senador do
Espírito Santo e vocalista da Tempero do Mundo).
"A
cidade precisa ser mais evangelizada", afirma a bispa, que adotou para si
o lema "de bem com a vida".
As 13
letrinhas viraram o nome de seu programa na Rede Gospel (o canal de TV da
igreja), de uma Bíblia para mulheres com sua assinatura e de um perfume que
lançou (um frasco de 50 ml sai por quatro parcelas de R$ 19,88, sem juros, na
loja virtual Gospel Bay).
Na terça
passada, Sonia recebeu a são paulo na sede da Rede Gospel, em rara entrevista à
mídia "secular" (como não-evangélicos são chamados).
Para ela, é
Deus no céu e o quadro de Romero Britto na parede do número 1.410 da avenida
Lins de Vasconcelos, no Cambuci (centro). Encara a tela com uma flor
multicolorida: "Nada mais brasileiro do que o Romero".
"Só
Carmen Miranda", emenda a religiosa que, tal qual a Pequena Notável e o
pintor pernambucano, não tem vocação para passar despercebida.
Agora mesmo
reluzem o dourado de suas joias (cinco anéis, brinco com pérola e o colar da
pomba) e as lantejoulas azul e verde de sua baby-look, que formam a palavra
"JESUS".
Ela não
gosta de repetir figurino pois tem ao menos duas horas diárias na TV. "Se
eu colocar a mesma roupa todo dia, sei lá o que vão falar. As piores coisas que
você pode imaginar."
Homem fosse,
aposta que o preconceito seria menor. "Eles não têm cabelo pixaim. Se
usarem a mesma roupa, ninguém vai falar que o programa é repetido. No Brasil,
as mulheres são muito cobradas pela aparência", diz uma das primeiras
mulheres a se destacar no meio evangélico, nos anos 1990.
A bispa
define como "machismo" apelidos como "perua de Deus". E diz
sem embaraço ter sido patrocinada por estilistas como Fause Haten, o casal
Glória Coelho e Reinaldo Lourenço e pela joalheria H. Stern.
Ser feminina
está em seu sangue árabe --ela é Sonia Haddad Morais Hernandes e compartilha,
além de um sobrenome, a origem libanesa com o prefeito Fernando Haddad.
"Minha avó não dormia sem batom. Minha mãe nunca dormiu sem passar creme
no rosto. O que muita gente chama de vaidade é meio cultural. Lápis no olho
aprendi a passar... Tinha o que, nove anos de idade?"
Já na
juventude, formou-se nutricionista, abandonou um estágio no Hospital das
Clínicas em menos de uma semana por não aguentar o baque da ala de queimados,
aprendeu inglês e francês e leu "de Monteiro Lobato a Dostoiévski".
No dia da
entrevista, um projeto que autoriza psicólogos a promoverem a "cura
gay" foi aprovado em comissão na Câmara dos Deputados.
Poucas horas
antes, a bispa discorria: "A igreja é aberta. Jesus veio para os doentes.
Quero nem falar que é doença. Se falar doença comportamental, então mulher que
toma bola pra emagrecer também é".
E completa:
"Minha missão é pregar o evangelho, não é julgar".