Aprovado em comissão especial da Câmara dos Deputados na
última semana, o novo Código de Processo Civil dá mais oportunidades para o
devedor de pensão alimentícia pagar o débito e abranda as punições.
Para entrar em vigor, o novo código ainda precisa ser
aprovado no plenário da Câmara e voltar para análise do Senado. Os senadores já
aprovaram, mas como o texto foi modificado na Câmara, terão de analisá-lo
novamente.
A nova lei mantém a regra de que a falta de pagamento de
pensão é o único fator cível que pode levar uma pessoa à prisão (os demais são
criminais). O prazo de prisão também permanece em no mínimo um mês e no máximo
três meses.
Atualmente, o devedor fica preso em delegacias ou presídios,
às vezes junto com outros detentos. O projeto em tramitação prevê prisão em
cela separada de presos que cometeram crimes. Nos locais onde não for possível
a separação, o novo código estabelece que o juiz terá de conceder prisão
domiciliar.
A legislação em vigor prevê que, no caso de não pagamento de
pensão, o devedor terá três dias para quitar o valor. Se não pagar, o juiz pode
decretar prisão. O texto aprovado na comissão da Câmara aumenta de três para
dez dias o prazo para pagamento
OUTROS PONTOS DO PROJETO DO
NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
ORDEM CRONOLÓGICA
Pela nova regra, os juízes terão que julgar processos pela
ordem de chegada. Isso evitará que ações novas sejam julgadas antes de antigas.
CONCILIAÇÃO
O código prevê que a tentativa de conciliação deve ocorrer no
início de todas as ações cíveis.
RECURSOS
O texto prevê multa para as partes quando o juiz constatar
que o recurso é utilizado como forma de protelar o fim da ação. Retira a
possibilidade de agravo de instrumento para decisões intermediárias (sobre
provas, perícias, etc). Acaba com o embargo infringente, no caso de decisão não
unânime, mas prevê que o caso seja reavaliado por outra composição.
AÇÕES REPETITIVAS
Prevê que uma mesma decisão seja aplicada a várias ações
individuais que tratam do mesmo tema. Entre as ações que podem ser beneficiadas
estão processos contra planos de saúde e empresas de telefonia. Nesses casos,
todas as ações de primeira instância serão paralisadas até que a segunda
instância tome uma decisão.
AÇÕES COLETIVAS
Outra novidade é que ações individuais poderão ser
convertidas em ações coletivas. Antes, as partes serão consultadas sobre se
aceitam a conversão do processo.
Se o devedor não fizer o pagamento, o juiz mandará protestar
a dívida, o que levará a restrições de obtenção de crédito. Além disso, poderá
decretar prisão de até três meses no regime semiaberto (no qual o detido pode
deixar a prisão de dia, para trabalhar, e voltar à noite para dormir). Em caso
de nova situação de inadimplência, o devedor irá à regime fechado.
Além das novas regras de prisão, o projeto do Código de
Processo Civil pretende dar celeridade a ações civis, reduzindo a possibilidade
de recursos, obrigando o julgamento de ações em ordem cronológica e
determinando que ações sobre o mesmo tema sejam paralisadas até julgamento por
instância superior.
Presidente da comissão especial que aprovou o texto, o
deputado Fábio Trad (PMDB-ES) esclareceu que o objetivo das novas regras sobre
a pensão foi "dar oportunidade" para o preso pagar. "A ideia é
permitir que o preso trabalhe para pagar a dívida", destacou.
Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Luís Felipe
Salomão destacou que é uma "tendência mundial" aplicar cada vez menos
a prisão e mais as outras formas de garantir o pagamento da dívida. Ele frisou
que o novo código segue o entendimento já firmado pelo STJ de que a prisão deve
ser exceção.
"O que se quer é obter o dinheiro para o credor da
pensão. Às vezes, a prisão é quase que uma vingança. É um instrumento de
pressão, mas o que tem funcionado cada vez mais efetivamente é a penhora. Cada
vez mais se constroem formas de cobrar, como saque do Fundo de Garantia por
Tempo de Serviço (FGTS), participação nos lucros, hora extra."
Para o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB), Marcus Vinícius Furtado, as punições foram abrandadas, mas o novo código
não tira a efetividade do instrumento da prisão para garantir os pagamentos.
Furtado integrou comissão de juristas que discutiu o texto no Senado antes da
análise pelos parlamentares.
"Vivemos num país em que o sistema penitenciário está
superlotado e deverá ser direcionado para os criminosos de alta periculosidade.
No caso do não pagamento de pensão, só o fato de determinar a prisão, faz o
sujeito pagar imediatamente quando tem condições, seja no regime aberto,
semiaberto ou fechado. O instrumento [decretação da prisão] já é a
efetivo", diz o presidente da OAB.
Segundo o desembargador Lineu Peinado, presidente da comissão
de acompanhamento da reforma do Código de Processo Civil na Associação dos
Magistrados Brasileiros (AMB), atualmente não há regime prisional definido e,
por isso, há casos de detidos em delegacias e outros em presídios. Para ele,
cerca de 90% dos casos de prisão por pensão não deveriam ocorrer.
"Hoje, 10% dos casos de prisão por alimentos deveriam
ser tratados como prisão. Outros 90% são de pessoas que efetivamente não podem
pagar a dívida", afirmou.
Outros temas
Em relação a outros temas tratados no Código de Processo
Civil, o presidente da OAB, Marcus Vinícius Furtado, aponta uma lacuna em
relação a ações repetitivas. O novo código prevê que, no caso de várias ações
individuais que tratam do mesmo tema, os processos devem ser paralisados até
que a segunda instância tome uma decisão.
Marcus Vinícius defende uma regra objetiva sobre ações
repetitivas. Para ele, somente casos em que há mais de 1 milhão de processos
sobre o mesmo tema devem ser paralisados à espera de decisão de instância
superior.
"Tendo critérios objetivos evitaria suscitar
multiplicação de demandas repetitivas e, com isso, paralisar processos e
resultar na impossibilidade de julgamento. O incidente [de ações repetitivas]
deve ser usado somente em causas que forem justificáveis, para que o que foi
feito para agilizar, não dificulte ou retarde a prestação da Justiça."
O desembargador Lineu Peinado, da AMB, diz que o instrumento
da conciliação, embora "doutrinariamente perfeito", pode ser
impossível de ser praticado por conta da falta de estrutura.
"A conciliação está se mostrando equivocada. Não temos
estrutura para fazer conciliação em todos os casos e nem vamos ter. Vamos
precisar treinar e capacitar conciliadores, o que demanda um a dois anos. É
doutrinariamente perfeito, mas na prática não será possível pelo número de
processos que temos."
Relator do texto na Câmara, o deputado Paulo Teixeira (PT-SP)
afirma que o novo código pretende acelerar julgamentos e garantir decisões mais
justas.