segunda-feira, 6 de maio de 2013

Após 17 anos acusados de matar PC farias vão a julgamento




A partir das 13h desta segunda-feira (6), sete jurados vão começar a decidir o destino dos quatro seguranças acusados da morte do empresário Paulo César Farias e de sua namorada, Suzana Marcolino. Apesar de a denúncia não dar nomes de autores material e intelectual do crime, o julgamento trará à tona o debate de um dos mais misteriosos casos policiais da história brasileira. Duas perícias oficiais se contrapõem e apontam caminhos completamente distintos para as mortes, ocorridas na madrugada de 23 de junho de 1996, na casa de veraneio do ex-tesoureiro de Fernando Collor de Mello, em Guaxuma, litoral norte de Maceió.


No banco dos réus estarão os policiais militares Adeildo Costa dos Santos, Reinaldo Correia de Lima Filho, Josemar Faustino dos Santos e José Geraldo da Silva, que vão a julgamento na 8ª Vara Criminal de Maceió. 

Com 27 testemunhas convocadas a depor, o julgamento deve durar toda a semana e confrontar teses: a de crime passional e a de duplo assassinato --que remeteria, inevitavelmente a uma queima de arquivo.

A segunda tese ganha força quando levado em conta que PC iria depor na CPI das Empreiteiras, quatro dias após sua morte, e sua fala era aguardada com grande expectativa. O primeiro dos laudos, feito por uma equipe de 11 peritos, apontou para crime passional, com homicídio seguido de suicídio.

A tese foi corroborada pela primeira equipe policial de investigação e é a tese que será defendida pela defesa dos acusados, que alega inocência dos quatro militares. Já a acusação se baseia em uma segunda perícia, que apontou para duplo homicídio, com a participação dos policiais militares.

Duplo homicídio

A acusação diz ter uma carta na manga para condenar os réus: o segundo laudo técnico. O UOL conversou por telefone com o perito Domingos Tochetto, responsável pela segunda perícia do caso PC Farias, feita após pedido do MPE (Ministério Público Estadual). Ele vai participar do julgamento e foi categórico ao afirmar que, tecnicamente, ficou comprovado que Suzana não atirou em PC naquela madrugada.

"A nossa conclusão no laudo é de que não foi identificada nenhuma partícula metálica oriunda de tiro. Foi feito o exame com os equipamentos certos, com a tecnologia correta. Os exames não identificaram nenhum componente do projetil. Se ela tivesse atirado, haveria partículas de chumbo, bário e antimônio, e nenhum deles estava na mão dela", disse.

Ainda segundo o perito, o cenário do crime foi alterado para tentar induzir a uma tese de assassinato seguido de suicídio. "O que houve em relação ao corpo de PC não se questionou, mas o da Suzana, sim. A posição final dela não seria aquela", afirmou.

É com base nesses argumento que MPE (Ministério Público Estadual) deverá se ater para pedir a condenação dos seguranças, que, na verdade, são acusados de omissão. Para o MPE, eles não protegeram as vítimas, como deveriam, nem afirmaram quem seria a suposta terceira pessoa na casa que teria assassinado o casal.

"No momento em que o juiz pronunciou os réus, entendeu que não houve uma ação dos acusados, mas sim uma omissão. Por serem seguranças e se omitirem voluntariamente, dolosamente, respondem por essa morte. É a mesma pena de homicídio. Essa é a imputação normativa da lei", afirmou o promotor Marcus Mousinho, que fará a acusação no plenário.

Crime passional

Para a defesa, o segundo laudo possui "falhas gravíssimas" e não deve ser levado em conta pelos jurados, que defende a tese inicial de crime passional. O advogado José Fragoso, que defende os quatro réus, se apega ao histórico de Suzana para tentar provar que ela tinha motivos para matar PC Farias. Além de que ela teria "alto risco de suicídio", tendo tentado se matar por duas vezes durante o um ano e três meses que namorou o ex-tesoureiro.

"Suzana era um pessoa que, havia muito tempo, estava atrás de um companheiro rico, que a sustentasse bem. Isso é a verdade. Ela foi apresentada a Paulo César pela Carlota, que se tratava de uma cafetina. Mas Paulo César não a tratou como prostituta, tratou-a como a namorada, e ela se vangloriava disso, dizia a todo mundo", garantiu, explicando que PC havia anunciado, dias antes, quer iria acabar o namoro, iniciado ainda quando PC estava preso na sede do Corpo de Bombeiros, em Maceió.

Sobre o estômago vazio, citado na acusação do MPE, a defesa diz que tem uma explicação fisiológica. "Do lado do criado-mudo, havia um copo de água e remédio para digestão. PC tinha problemas gástricos. Na necropsia, se encontrou casca de feijão no seu estômago, e ele não comeu no jantar, comeu no almoço. Ele tinha uma dificuldade de digestão, as pessoas são diferentes", disse Fragoso.

Questionado sobre o porquê de nenhum dos seguranças ter ouvido os disparos, o advogado disse que se tratava de uma véspera de São João, quando são comuns fogos de artifício no Nordeste.

"Para eles, naquela noite, PC e Suzana dormiam normalmente, não havia qualquer risco. Depois fizeram os testes, e viram que os tiros poderiam ser ouvidos do lado de fora, mas foram ouvidos por pessoas que estavam com a atenção voltada para a casa, diferentemente do que ocorreu naquela madrugada."

O UOL entrou em contato com o consultório, em Campinas (SP), do legista Fortunato Badan Palhares, principal responsável pela primeira perícia, mas o legista não foi localizado nem retornou a ligação, como  fora pedido pela reportagem. Ele foi convocado por defesa e acusação para depor durante o júri.

Julgamento técnico

Para o professor de Direito Penal da Ufal (Universidade Federal de Alagoas), Welton Roberto, o julgamento do caso PC deve privilegiar as provas técnicas, numa disputa que promete ser acirrada entre defesa e acusação.

"Vai ter que ser um julgamento mais técnico, onde defesa e acusação vão ter que se debruçar sobre esses laudos. Os peritos que foram chamados são importantes para esclarecer os seus pontos, e os jurados vão ver em que pode confiar. Esse caso lembra o caso do 'maníaco do parque', que tinha três laudos: um que dizia que ele era 'doido', um que era bom, e outro que era mais ou menos. A parte técnica deve definir se houve ou não o segundo homicídio", disse.

Segundo o professor, a tese de duplo homicídio deve encontrar dificuldade de aceitação, já que, para ele, seria necessário um vínculo. "A tese da acusação, de que alguém teria matado a namorada do PC, mas sem apontar autor intelectual e material a enfraquece. Ela perde a motivação. Se eles se omitiram, qual o por quê? Qual o motivo? Enfim, o que ligaria eles ao crime? Não vejo como prosperar sem esse vínculo", afirmou.

A demora de 17 anos também é apontada como outro fator que atrapalha os jurados. "Isso interfere. Toda vez que se tem uma distância entre o crime e o julgamento interfere positiva ou negativamente. Muitas vezes fica na retórica da sensação de impunidade só porque passou do tempo. E isso traz um argumento maior, que pode ser utilizado pela acusação."