O andarilho Valter Fonseca dos Santos, de 41 anos, vai trocar
as ruas por um emprego. O sonho que dura 16 anos será possível porque passou em
1º lugar no concurso público da Prefeitura de Patos de Minas para o cargo de
coveiro. Ele disputou as três vagas abertas com outras 21 pessoas e o primeiro
investimento, segundo o novo funcionário público, será alugar uma casa para
morar.
Há 16 anos Valter dos Santos saiu de Ilhéus (BA) para tentar
a sorte na cidade mineira, mas a falta de emprego e oportunidade acabou fazendo
com que o sonho fosse adiado. “Nasci numa favela, num local onde brigas e
crimes eram frequentes. Mas nunca quis isso para a minha vida e depois de ter
uma decepção amorosa não pensei duas vezes em ir embora. Um conhecido comentou
de Patos de Minas e eu tentei a sorte, mas foi tudo bem diferente do que eu
pensava”, lembrou.
Ele disse que no início chegou a trabalhar em uma lavoura de
tomates para garantir pelo menos o sustento, mas logo que a safra terminou, ele
foi para a rua. “Passei por muito preconceito, tanto pela situação de rua que
eu me encontrava como também pela minha cor. Várias vezes fui abordado pela
polícia, perseguido e agredido por populares. Até o colchão que usava para
dormir foi queimado. A vida nas ruas não é nada fácil”, afirmou.
O morador de rua contou que o fato de não ter endereço físico
causou vários empecilhos na busca de um emprego fixo. Por isso, muitas vezes a
forma de conseguir sobreviver foi fazendo “bicos” (serviços extras feitos em
curtos espaços de tempo). Valter contou que olhava os carros nas ruas, fazia
serviço de servente e limpava quintais. Às vezes, ganhava apenas R$ 2, mas isso
já o ajudava a comprar algo para comer. Mesmo na situação difícil, nunca deixou
a fé de lado e sempre que podia frequentava um centro espírita da cidade, aonde
chegou até a terminar os estudos sobre a doutrina.
Na passagem pelas ruas, conheceu o Centro de Referência
Especializado de Assistência Social (Creas). E foi por meio da diretora de
proteção social especial, Maria Augusta de Lacerda Ferreira, que veio a ideia
de fazer o concurso. O edital foi divulgado em maio deste ano. “Maria Augusta
foi quem me apresentou o Creas e tentou por diversas vezes conseguir um emprego
para mim. Sem sucesso, logo que o edital foi divulgado ela me incentivou a
participar da concorrência. Eu pensava que não seria capaz, mas com o apoio que
recebi resolvi tentar”, contou.
Após a inscrição, a rotina mudou e os livros e materiais
preparatórios ganharam espaço na vida dele. Como já tinha o ensino médio, optou
pela vaga de coveiro, profissão que sempre chamou a atenção. “Eu tive que me
dedicar muito. Estudava nos bancos da praça ou em qualquer lugar que eu estava.
Pelo menos quatro vezes no dia eu pegava nos livros e nos materiais que a Maria
Augusta conseguiu para que eu estudasse. Lembro que ela me exigiu, ‘em troca da
ajuda’ o 1º lugar do concurso e foi isso que aconteceu. Tive quatro meses para
me preparar”, afirmou.
Resultado
O resultado definitivo da prova objetiva foi divulgado na
última terça-feira (8), mas Valter dos Santos não se cansa de ver o nome no
topo da classificação. O cargo que ele pleitiava tinha sete candidatos por vaga
(total de 21 inscritos). “De 30 pontos eu tirei 26. Eu não esperava por isso,
pois achava que os demais candidatos eram mais capacitados que eu. Essa não é
uma conquista só minha, tive a ajuda de Deus e do pessoal do Creas, que ‘pegou
no meu pé’, ‘puxou minha orelha’ e me fez acreditar em algo que talvez nem eu
mesmo tinha crença”, disse. Agora ele aguarda ser convocado para assumir a
função, que tem remuneração prevista de R$ 805,18, além de benefícios como
vale-alimentação, vale transporte e plano de saúde. “A primeira coisa que vou
fazer com meu salário é alugar uma casa para morar. Tive a chance e vou
aproveitá-la bem. Quero ainda construir uma família e ser feliz, pois eu
acredito que eu mereço”, concluiu.
Mão amiga
Maria Augusta foi quem incentivou Valter Fonseca na caminhada
rumo ao serviço público. Ela contou que descobriu o morador de rua em uma das
rondas do Creas – unidade pública da política de Assistência Social onde são
atendidas famílias e pessoas que estão em situação de risco social ou tiveram
seus direitos violados. Ela contou que o convidou para conhecer o Creas e, a
partir daí, tiveram um contato profissional maior. “Eu consegui encaminhá-lo
para um albergue e reformular o currículo dele. Pelo menos três vezes por
semana ele passava pelo Creas e numa de nossas conversas falei da possibilidade
do concurso com ele”, comentou.
Maria Augusta lembrou que Valter chegou a dizer para ela que
não daria conta de passar e foi então que ela reforçou o apoio. “Eu sabia da
vontade dele em trabalhar e constituir família. Consegui alguns materiais para
que ele pudesse estudar. Também arrumei exercícios para que ele fizesse e
retornasse para eu corrigir. O que ele não conseguia fazer, eu o ajudava”,
acrescentou. Para a diretora de proteção social especial, ver o nome dele na
lista dos primeiros colocados foi emocionante. “Senti uma alegria enorme por
essa conquista. Foi como ver o resultado positivo de um dos meus filhos”,
vibrou. Maria Augusta acrescentou que Valter nunca havia prestado um concurso
na vida, mas que mostrava ser uma pessoa inteligente e com vontade de aprender.
“Ele errou apenas duas questões de português e duas de conhecimentos gerais. Em
raciocínio lógico ele tirou dez. Eu confiei nele e acredito que todo o trabalho
e esforço feito valeram a pena”, concluiu.
// O Globo