É o que mostra a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(Pnad), realizada em 2012 e divulgada nesta sexta-feira pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A taxa de pessoas de 15 anos de
idade ou mais que não sabem ler nem escrever subiu de 8,6% em 2011 para 8,7% no
ano passado. Isso significa que no período de um ano, o país "ganhou"
300.000 analfabetos, totalizando 13,2 milhões de brasileiros. A tendência de
queda, que se mantinha desde 1997, estacionou, despertando a atenção dos
pesquisadores do IBGE, que agora se debruçam em busca de explicações.
"Ainda estamos verificando o que levou a essa variação, já que o
porcentual vinha caindo há tanto tempo", diz Maria Lucia Vieira,
coordenadora da pesquisa e gerente do IBGE.
Analfabetismo – Série histórica (%)*
*Levantamento realizado apenas na área urbana do país
Com a lupa sobre cada região brasileira, o que se observa é
que o Nordeste foi o principal responsável por elevar a taxa nacional - é onde
moram 53,8% de todos os analfabetos do país, ou 7,1 milhões. No mesmo período
de um ano, a taxa local passou de 16,9% para 17,4%. No Centro-Oeste, também
houve crescimento, de 6,3% para 6,7% entre 2011 e 2012. Já no Sudeste, os
números estão estagnados, enquanto o Norte e o Sul conseguiram manter a
redução. "O analfabetismo tem endereço no Brasil: está concentrado na população
mais velha e nordestina", frisa Maria Lucia.
O alagoano José Carlos Vieira dos Santos, de 54 anos, se
encaixa no perfil observado pelo IBGE. Morador da cidade de Murici, começou a
trabalhar aos 14 anos no corte de cana. Não teve tempo de frequentar a escola e
chegou à idade adulta sem qualquer intimidade com as letras. "Ele escreve
o nome todo, devagar, e se aborrece porque tem dificuldade", conta a
mulher, Maria Cícera Guedes, da mesma idade, que cursou até a 5ª série do
Ensino Fundamental (hoje 6º ano). Dos quatro filhos do casal, a mais velha
largou a escola ainda na 1ª série. Atualmente com 30 anos, também não sabe ler
nem escrever.
Maria lamenta. Diz que tem o sonho de ver os filhos
concluindo os estudos. Mas apenas o de 18 anos lhe dá esperanças. No 2º ano do
Ensino Médio, é o único com disposição de conquistar o diploma. Os outros dois
irmãos, de 16 e 21 anos, ainda frequentam as salas de aula do primário.
"Vejo muita coisa errada por aqui - drogas, por exemplo. Coloquei meus
filhos no colégio para que aprendessem alguma coisa e ficassem longe da
rua", diz a matriarca da família que exemplifica bem outra constatação do
estudo: a dificuldade dos adultos em ultrapassar a barreira do analfabetismo.
Idade - Foi na faixa dos 40 aos 59 anos o crescimento mais
representativo de analfabetos no país, de 9,6% para 9,8%. Uma das
possibilidades é de que este grupo esteja mais crítico em relação ao conceito
de analfabetismo. Por alfabetizado, o IBGE entende ser uma pessoa com condições
de ler e escrever um bilhete simples. Mas a maioria dos analfabetos do país
ainda tem 60 anos ou mais - eles são 3,2 milhões. Priscila Cruz, diretora
executiva da ONG Todos pela Educação, enfatiza que a idade adulta é a mais
resistente à escolarização. "Essas pessoas procuram o ensino só quando
querem, e se tiverem tempo e disposição."
Cícero Custódio, morador de Lagoa do Ouro, interior de
Pernambuco, engrossa as estatísticas. Assim como Santos, foi levado pelo pai
ainda criança, aos 7 anos, para o trabalho na roça. Pisou na escola pela
primeira vez somente aos 30 anos, ficou 15 dias, aprendeu a escrever o nome e
viu a instituição fechar as portas. Até hoje, aos 63, não teve outra
oportunidade. "Entendo as letrinhas muito pouco. Não sei fazer as
palavras, nem juntar as letras para ler. Fico enrascado nisso aí",
explica. Fez questão de matricular os seis filhos na escola, mas não viu nenhum
chegar ao Ensino Médio. "A maior ajuda que os pais podem dar é apoiando os
estudos."
Escolarização - Entre os mais jovens, a taxa de analfabetismo
é drasticamente menor - apenas 1,2% dos 15 aos 19 anos, por exemplo -, o que
pode indicar uma redução no futuro das taxas entre os mais velhos. O gargalo,
neste caso, fica por conta do Ensino Fundamental, incompleto para 33,5% da
população com 25 anos ou mais (que exclui os grupos em processo de
escolarização). É o caso de Ionácio Santana, carioca de 37 anos, pai de doze
filhos, morador da favela do Vidigal e conhecido na praia de Ipanema pela
barraca em frente à Rua Farme de Amoedo, onde aluga cadeiras e vende bebidas.
Gostava de estudar, garante. Chegou à 6ª série do Ensino
Fundamental (hoje 7º ano), até que desistiu para viver o sonho de ser jogador
de futebol. Entrou para o profissional da Ponte Preta e os juniores do
Botafogo. Mas a carreira não foi adiante, e ele admite arrependimento da
escolha que fez no passado. "Toda vez que empurro um carrinho de mão para
carregar material de obra, lembro da minha irmã avisando que era melhor eu
estudar. A escola era muito boa. A professora acordava cedo para ajudar trinta
alunos a serem alguém na vida."
Para não repetir o erro com os filhos, Nélio, como é
conhecido, mantém sete deles na escola. Até o caçula, de 10 meses, está prestes
a entrar na creche. "Se com estudo está difícil, imagina sem. Com os meus
filhos, eu sou duro", afirma ele, revelando que também tem planos de
retomar os estudos, no próximo ano. Entre os motivos, está o carro que comprou
há pouco tempo mas não pode dirigir, porque precisa passar pela prova teórica
exigida para tirar a carteira de motorista.
A Pnad 2012 traz também dados positivos, como a redução na
taxa de analfabetos funcionais (capazes de ler e escrever mas com dificuldades
de interpretação do texto). Entre a população com 15 anos de idade ou mais,
18,3% tem menos de quatro anos de estudo completo, o equivalente a 27,8 milhões
de brasileiros. O número é significativo, mas representa uma queda de 2,1
pontos porcentuais em relação a 2011, quando eles eram 20,4% do total. As
regiões Norte e Nordeste ainda apresentam as maiores taxas de analfabetismo
funcional, de 21,9% e 28,4% respectivamente.
Futuro - A situação geral, porém, é preocupante. O país está
se distanciando da meta firmada com a Organização das Nações Unidas (ONU):
diminuir a taxa de analfabetos para 6,7% até 2015. Faltam dois anos, portanto,
para fazer ler e escrever cerca de 3 milhões de pessoas. Mas o governo não tem
se esforçado para atingir o objetivo. A diretora executiva da ONG Todos pela
Educação, Priscila Cruz, alerta para o fato de que, neste sábado, o país
completa mil dias sem um Plano Nacional de Educação, responsável por nortear
políticas públicas pelos próximos dez anos. "O não avanço é sempre um
retrocesso em educação", critica.