“Só Deus sabe como me sinto ao ter que decidir dessa forma”.
A afirmação é do juiz Cícero Martins de Macedo Filho, que determinou a
reintegração de posse de 65 casas ocupadas irregularmente no conjunto
Praia-mar, na zona Oeste de Natal. Na manhã desta sexta-feira (19), uma oficial
de Justiça foi ao conjunto habitacional acompanhada de policiais militares. As
famílias têm até a manhã da terça-feira (23) para deixar as casas.
“Profundamente triste, me vejo na obrigação de deixar aqui um
apelo ao Poder Público local (estadual ou municipal), através dos seus órgãos,
para que possam com urgência encontrar uma solução para acolher as famílias
que, mesmo invasoras da área, necessitam também de encontrar o apoio
governamental para a moradia. Infelizmente, ao Judiciário cabe essa missão
difícil, por vezes triste, como neste caso, angustiante e dolorido, de ter que
adotar uma solução para o caso”, disse o juiz em decisão assinada nesta quinta
(18).
Cícero Martins diz ainda que compreende “a angústia e o
desespero” das famílias, “que com certeza somente invadiram a área porque não
conseguiram ter acesso ao programa habitacional, conforme eles mesmos afirmam.
Mas no presente caso, numa ação que versa sobre uma obra pública que já se
arrasta por mais de dois anos, numa situação em que outras inúmeras famílias
esperam para receber suas moradias, há que se convir que a invasão, além de
atentar contra a expectativa daqueles que se inscreveram regularmente no
programa, dificulta e causa graves entraves ao seu andamento”.
A feirante Ediane da Silva, invasora do conjunto, diz que não
vai deixar a casa onde mora há dois anos. “Não tenho para onde ir. Se a polícia
vier nos tirar, vamos resistir”, falou.
O Governo do Rio Grande do Norte e a empresa Dois A
Engenharia e Tecnologia Ltda, autores da ação de reintegração de posse, pedem a
saída dos invasores para que as obras sejam continuadas e as casas entregues a
pessoas cadastradas no programa habitacional estadual.
Para Marcos Dionísio, presidente do Conselho Estadual de
Direitos Humanos, é preciso que o governo estadual “encaixe” estas famílias em
outras iniciativas de construção de unidades habitacionais. “O Estado precisa
tentar minimizar os prejuízos, tentar alojar essas pessoas que terão que
desocupar os imóveis, sem entrar no mérito da forma como elas entraram lá”,
disse.
O agricultor aposentado Francisco Pinto da Silva, de 64 anos,
é um dos invasores do conjunto habitacional. Ele contou ao G1 que pagava
aluguel, mas a aposentadoria de um salário mínimo não estava sendo suficiente
para pagar as despesas. Foi quando ele soube que as casas seriam invadidas e se
apossou de uma. “Como uma pessoa vive com um dinheiro pouco como esse e ainda
paga aluguel? Não dá, meu dinheiro não dá pra nada. Por isso eu vim pra cá”,
disse. Acompanhado da esposa Francisca Garcia de Lima, de 65 anos, ele diz que
não tem para onde ir. “Se tirarem a gente daqui, vamos ter que ir para debaixo
da ponte”, afirmou.
O servente de pedreiro Glaydson Paulino de Andrade, de 26
anos, mora em uma das casas invadidas com a mulher e cinco filhos. O mais novo
é um bebê de 4 meses. Desempregado, ele conta que invadiu a casa porque morava
em um barraco atrás da casa da mãe que não tinha estrutura para os filhos.
"Eu não tenho para onde ir. Como eu vou voltar a viver em um barraco com
um bebê de quatro meses? Eles querem tirar a gente daqui e não querem nem saber
para onde vamos, se vamos para a rua. O governo não se importa com a
gente", disse.
Imbróglio judicial
Em 2008, o governo do estado lançou um projeto de erradicação
de favelas na avenida Capitão-mor Gouveia. Foram cadastradas 310 famílias que
receberiam unidades habitacionais construídas pelo estado com recursos do
governo federal através do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). De
acordo com o diretor da Companhia Estadual de Habitação e Desenvolvimento
(Cehab), João Felipe de Medeiros, nenhuma dessas 65 famílias que hoje ocupam as
casas do conjunto foi cadastrada no programa à época.
"Essas famílias não foram cadastradas, portanto não
teriam direito à essas casas. Mas o governo entende que são famílias sem
condições e por isso, após a desocupação destas casas e a conclusão da
construção, nós iremos convocar as famílias cadastradas e se alguma família não
for encontrada ou desistir do imóvel por alguma razão, nós iremos destinar
essas casas às famílias que estão lá hoje", explicou.
Segundo ele, em setembro de 2010 houve uma ocupação ordenada
de 137 casas, antes mesmo do término da construção. “Não havia água,
eletricidade, nem esgotamento sanitário. Mas, diante da ameaça de invasão, a
Cehab autorizou a ocupação”, explicou.
As obras continuaram e em novembro de 2011 houve a primeira
invasão. A Justiça autorizou a reintegração de posse e em janeiro de 2012 as
famílias saíram das casas. Em julho de 2012, 65 casas foram invadidas novamente
e, mais uma vez, a Justiça determinou a reintegração de posse. “A decisão
judicial saiu em dezembro de 2012 e de lá pra cá nós fizemos várias reuniões
com as famílias, com a participação da OAB e da Comissão Estadual de Direitos
Humanos, esgotamos todas as possibilidades de diálogo até que a Justiça
determinou o uso da força policial para a retirada das famílias”, disse João Felipe.
Conjunto habitacional
Segundo João Felipe de medeiros, o conjunto habitacional
Praia-mar, quando concluído, terá 310 unidades, sendo 202 casas e 108
apartamentos, além de uma área de lazer com uma praça, centro comunitário e
posto policial. O projeto inicial previa ainda a construção de 30 casas
adaptadas e direcionadas para idosos e para pessoas portadoras de deficiência.
João Felipe disse o valor total do projeto é de R$ 9,3
milhões e já foram pagos R$ 3,4 milhões à Dois A Engenharia, empresa responsável
pela construção.