A decisão da Justiça Federal de Goiás, que decretou a
indisponibilidade dos bens da empresa de rastreador de veículos BBom e de seus
sócios, inclui o bloqueio de R$ 300 milhões em contas bancárias do grupo, além
de cerca de 100 veículos, incluindo motos e carros de luxo como Ferrari e
Lamborghinis, segundo os Ministérios Públicos Federal e Estaduais.
A juíza federal substituta da 4ª Vara Federal de Goiânia,
Luciana Laurenti Gheller, acolheu ação e decretou a indisponibilidade dos bens
da empresa Embrasystem Tecnologia em Sistemas, conhecida pelos nomes fantasia
BBom e Unepxmil, e da empresa BBrasil Organizações e Métodos.
Segundo a decisão, há “robustos indícios” de que o modelo de
negócios operado pela BBom “se trata, na verdade, de uma pirâmide financeira,
prática proibida no Brasil e que se configura crime contra a economia popular.
“Somando as contas da empresa e dos sócios proprietários chega a passar de R$
300 milhões”, disse o procurador da República Helio Telho, um dos autores da
ação. “O bloqueio inclui um Maserati GranCabrio, duas Ferraris California,
quatro Lamborghinis Gardo e um Rolls Royce Ghost que, sozinho, vale mais de US$
1 milhão”, enumera.
O procurador acredita que parte da frota em nome da empresa e
de seus sócios seria usada como estratégia de marketing para premiar os
associados com melhor desempenho no recrutamento de novas pessoas para a rede.
Segundo a força-tarefa formada por promotores e procuradores para investigar a
BBom, até o fim do ano passado, antes do início das operações da “BBom”, as
empresas do grupo não movimentavam mais do que R$ 300 mil por ano. De acordo
com o MP, em pouco mais de seis meses, o fluxo financeiro do grupo aumentou
mais de 3.000%.
Sócios da BBOM tiveram bens e contas bancárias bloqueados
“O bloqueio de bens para transferência visa evitar que mais
vítimas caiam nesta arapuca, e garantir que as pessoas que já cairam consigam
recuperar ao menos uma parte do que colocaram”, explica Telho. O procurador
informou que a força-tarefa aguarda agora o julgamento do pedido de suspensão
da inclusão de novas associados à BBom, a exemplo do que ocorreu com a Telexfree.
Em comunicado, a BBom informou que irá apresentar sua defesa e “pedir a
cassação da decisão de bloqueio das contas e bens da empresa”.
Bloqueio visa ressarcimento
O processo se encontra sob segredo de Justiça. Segundo
comunicado divulgado na página da Justiça Federal de Goiás, ao analisar a
documentação, a juíza entendeu que há índicos de que as empresas atuam de forma
ilegal, lesando os consumidores. Na decisão, ela explicou que o bloqueio dos
bens se estende aos sócios e “busca evitar a dilapidação do patrimônio da
empresa, de modo a possibilitar futuro ressarcimento aos consumidores lesados”.
No esquema adotado pela BBom, conforme identificado pela
juíza, o pagamento dos participantes depende exclusivamente do recrutamento por
ele feito de novos associados. “A ‘sustentabilidade’ do negócio não advém da
renda gerada pela venda do produto supostamente objeto da franquia, que se
trata um rastreador”, diz o comunicado.
Outra irregularidade apontada pela magistrada é a falta de
licença expedida pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para a
venda de rastreadores de veículos. “O rastreador utilizado em veículos é uma
estação de telecomunicações que necessita ser licenciada pela agência, e não
foi concedida pela Anatel autorização à empresa… para trabalhar com esse tipo
de produto”, informa a Justiça.
Empresa alega comercializar rastreadorEmpresa diz que
rastreadores são homologados
Em comunicado divulgado nesta quinta, a BBom rebateu a
decisão da Justiça e informou que os rastreadores são homologados pela Anatel.
Segundo a empresa, a licença “é fornecida para a empresa que produz o equipamento
e não a BBom, que o distribui. “Acreditamos que a juíza da 4ª Vara Federal de
Goiânia deve ter se equivocado no momento da busca por este registro”, afirma a
nota. “Cada equipamento MaxTrack MXT 140A comercializado pela BBom possui um
código de registro válido e vigente perante a Anatel”, acrescentou.
A empresa sustenta que é “uma empresa lícita, com sede
própria, investimentos em marketing, propaganda, desenvolvimento de novos
produtos e criação de estruturas executivas, industriais e comerciais”. Em
entrevista no dia 5 de julho, o diretor de marketing da empresa, Ednaldo Bispo,
negou a prática de pirâmide, argumentando que o modelo de negócio é sustentável
e que o principal produto da BBom é a venda de rastreamento de veículos.
Segundo ele, a empresa já reuniu em três meses mais de 200 mil associados.
“Também vendemos rastreador porta a porta. Nosso negócio não
vem da entrada de pessoas, mas da prestação de serviço. O cliente final
comodata, recebe o material e paga uma mensalidade. Ele pode ser só cliente,
pode apenas vender o serviço, pode ser associado, ou fazer tudo isso”, disse o
porta-voz da BBom, argumentando ainda que o marketing multinível praticado pela
empresa ainda é pouco compreendido.
No comunicado desta quinta, a empresa diz que “considera
válida toda e qualquer forma de investigação, porém discorda de atitudes
unilaterais que possam comprometer a saúde de companhias sem que haja a devida
apuração ou conhecimento dos fatos envolvidos por parte das autoridades”.
Rastreador seria apenas ‘isca’ para recrutar associados
Pelo modelo oferecido pela empresa, os interessados se
associam mediante o pagamento de uma taxa de cadastro, no valor de R$ 60, mais
uma taxa de adesão, que varia de R$ 600 a R$ 3 mil, de acordo com o plano
escolhido. Depois disso, a pessoa se compromete a atrair novos associados e a
pagar uma taxa mensal no valor de R$ 80, pelo prazo de 36 meses, segundo mostra
a investigação. Quanto mais participantes o associado consegue trazer para a
rede, maior é a premiação prometida.
No entendimento do Ministério Público, como em outros casos
emblemáticos de pirâmide financeira, o rastreador seria apenas uma “isca” para
recrutar novos associados, como foram os animais nos casos da “Avestruz Master”
e do “Fazendas Reunidas Boi Gordo”. Em comunicado conjunto, os promotores e
procuradores da ação afirmam que o caso da Bbom soma-se a outras investigações
de pirâmides financeiras em andamento pelo país como a da TelexFree.
A investigação do MP apontam também indícios de negócios da
BBom com a Telexfree. “As duas pirâmides teriam realizado transações com
pessoas em comum, o que fortalece os indícios da relação de continuidade entre
as empresas”, informou a força-tarefa. “Não dá para dizer que há associação, o
que identificamos foi a transferência de dinheiro de uma empresa para outra. O
que isso significa ainda vai ser objeto de investigação”, disse Telho. Na
decisão anunciada na quarta-feira, a juíza federal destacou também as
diferenças entre o modelo de negócios denominado “marketing multinível” ou
“marketing de rede”, e o golpe conhecido por “pirâmide financeira”.
No marketing multinível, o faturamento é calculado sobre as
vendas dos produtos e a venda do produto é a base de sustentabilidade do
negócio, destacou a juíza. Já no esquema de pirâmide, os participantes são
remunerados somente pela indicação de outros indivíduos para o sistema, sem
levar em consideração a real geração de vendas de produtos, o que acaba por
tornar o negócio insustentável, uma vez que é matematicamente impossível atrair
novos participantes para uma rede que se funda unicamente nos pagamentos
realizados pelos associados.
“Este tipo de esquema é coisa antiga. Mas com as redes
sociais ganhou um fermento potencial inimaginável. Hoje, estas empresas crescem
de manera rápida demais e aprendemos que quanto antes se consegue intervir e
bloquear menor o prejuizo para as vítimas”, destaca o procurador.