sexta-feira, 21 de junho de 2013

Médicos turcos consideram "tortura" o uso indiscriminado de gás lacrimogêneo

O uso frequente do gás lacrimogêneo para intimidar e dispersar manifestantes, como aconteceu na Turquia nas últimas três semanas, é equivalente à tortura, denunciaram nesta quinta-feira (19) seis associações médicas turcas.
"O gás não foi usado como forma de controlar distúrbios, mas como arma química", afirmou em entrevista coletiva, realizada hoje em Istambul, Ümit Biçer, da Associação dos Médicos Legistas.
Biçer ressaltou que o gás lacrimogêneo nunca deve ser utilizado em espaços fechados ou a uma distância de menos de cinco metros das pessoas, e denunciou que foram jogadas bombas desse tipo no interior de um hotel lotado de manifestantes que se escondiam da polícia.

Segundo uma pesquisa feita na internet, 21% dos que declararam ter inalado gás estavam em espaços fechados.
"Além disso, a polícia utilizou as bombas de gás como munição, como se fossem balas de fuzil, ao dispará-las diretamente contra as pessoas", acrescentou o médico, que disse ter visto pessoas terem traumatismos cranianos e perderem olhos por causa dos impactos.
O especialista acrescentou que "também configura tortura adicionar substâncias químicas, como uma solução de gás de pimenta, nos jatos de água dos canhões da polícia". A prática, documentada pela imprensa turca, foi confirmada pelos testemunhos de várias vítimas que sofreram graves irritações cutâneas ao serem atingidas pelo que o governador de Istambul, Hüseyin Avni Mutlu, havia descrito como "água com uma solução médica".

O médico disse que o número oficial de quatro mortos causados pelos protestos - três manifestantes e um policial - pode aumentar, já que duas pessoas sofreram ataques cardíacos após se expor de forma prolongada ao gás lacrimogêneo, mas ainda é preciso esperar a conclusão das autópsias.
Uma das vítimas foi um jovem de Ancara, que não participou dos protestos, mas morreu em seu local de trabalho após passar três dias seguidos por uma região onde a polícia disparava gás diariamente. A outra foi uma mulher de 50 anos, que morreu de um ataque cardíaco em casa após ter participado de uma manifestação, detalhou.
Osman Öztürk, porta-voz da Associação Turca de Médicos (TTB), lembrou o balanço oficial de vítimas: 4 mortos, 59 gravemente feridos, 6 em estado crítico, 11 casos de perda de olhos, mais de 100 casos de traumatismo craniano, e 7.822 feridos no total.
Os dados, advertiu, "são só a ponta do iceberg e talvez não representem nem um quinto do (número) real, já que muitíssimas vítimas não receberam ajuda médica", advertiu. O médico opinou que o uso generalizado do gás e os disparos diretos na cabeça "fazem pensar que a polícia tinha ordem de matar".
"O gás sempre é disparado na frente dos manifestantes, de modo que o povo possa recuar, mas nesses protestos foi lançado de todos os lados", denunciou.
De fato, uma prática habitual nas últimas semanas, como a Efe pôde comprovar, foi a de lançar bombas de gás a grande distância sobre uma manifestação, de modo que centenas de pessoas, vítimas do pânico, precisassem atravessar nuvens lacrimogêneas se quisessem se salvar.
Dogan Sahin, da Associação de Psicólogos Turcos, estima que 1 milhão de pessoas tenha sofrido repressão policial durante as três semanas de protestos, e que um terço delas sofreu danos psicológicos.
"Desses, 60% irá superá-los em um ano, mas 20% irá sofrê-los a longo prazo", denunciou, e citou consequências como a insegurança e a perda do sentido da justiça, além do aumento da violência.
O advogado Turgut Kazan pediu não apenas a proibição do uso do gás, mas também um boicote contra a Turquia por parte dos países exportadores, cujos governos considerou "também responsáveis".
Kazan lembrou que o gás foi usado contra pessoas que dormiam, fugiam, cantavam ou simplesmente olhavam, o que em sua opinião constitui claramente uma forma de tortura, punível com 12 anos de prisão.
"Esse crime não prescreve: aviso a todos os que deram as ordens e os que as cumpriram que um dia serão julgados".